Com o fundamento de que a Justiça do Trabalho não pode ser conivente com abusos praticados por empregadores contra mulheres que a eles prestam serviços, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o SBT, de São Paulo, a pagar R$ 40 mil de indenização a coreógrafa Luciana Viviani Maradei que foi objeto de comentário depreciativo feito por um apresentador — que também é dono da emissora — em seu programa ao vivo.
A trabalhadora foi admitida pela empresa em 2005, como bailarina, e desligada em 2016, quando exercia a função de coreógrafa. Em março de 2017, o apresentador anunciou a substituta afirmando que “essa coreógrafa é muito melhor do que a outra que foi embora“, olhando-a de cima a baixo.
Na reclamação trabalhista, a profissional sustentou que o comentário fazia clara menção à beleza e à juventude da nova contratada, atribuindo uma conotação machista e sexual à função. Ao pedir indenização por danos morais, a coreógrafa disse que a emissora priorizou a publicidade e a ironia em detrimento da dignidade da pessoa humana.
O comentário, segundo ela, gerou reações de amigos, familiares e colegas por sua grosseria e indelicadeza, submetendo-a a situação humilhante e vexatória. Além disso, o comportamento do apresentador foi, a seu ver, discriminatório, abusivo e irresponsável, “com o claro intuito de causar graça e risos em detrimento da profissional que ali trabalhou por mais de uma década”.
A emissora, na contestação, alegou que a coreógrafa trazia “argumentos vagos, imprecisos e duvidosos” para fundamentar seu pedido. Segundo a empresa, o fato ocorrido não teve nenhuma repercussão ou relevância social, nem continha os elementos caracterizadores do dano moral (dano, ato culposo e nexo causal entre os dois).
O juízo da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo fixou a indenização em R$ 40 mil. De acordo com a sentença, o vídeo mostra uma conduta de objetificação do corpo feminino e, como permanecia na página da emissora na época, as ofensas continuavam a ser divulgadas pela internet.
Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) afastou a condenação. A decisão considerou que, embora a comparação com a nova coreógrafa “tenha causado dissabor“, isso não basta para configurar o dano moral. Ainda de acordo com o TRT, a conduta do apresentador não foi grave o suficiente para causar dano efetivo à honra e à imagem da trabalhadora, cujo nome “sequer foi mencionado no vídeo“.
Perspectiva de gênero
O relator do recurso de revista da coreógrafa, ministro Augusto César, lembrou que, em 2021, o Conselho Nacional de Justiça criou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Segundo o documento, a Justiça do Trabalho deve analisar e interpretar as normas trabalhistas sob as lentes da perspectiva de gênero, como forma de equilibrar as assimetrias da legislação.
No caso, o relator entendeu que a conduta foi um ataque à coreógrafa, “completamente desvencilhado da esfera do trabalho prestado por ela“, reforçando “estereótipos arraigados no ideário tipicamente patriarcal de relação de poder, segundo o qual o valor da mulher é medido por sua beleza e juventude“.
Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho não pode admitir a normalização de condutas abusivas praticadas pelos empregadores contra suas empregadas, “que devem ser não apenas desestimuladas, mas duramente combatidas“. Nesse sentido, o dano moral deriva da própria natureza do fato e, portanto, é presumido. Por unanimidade, o colegiado acolheu o recurso e restabeleceu a sentença.
Fonte: Conjur