Ministério Público do Estado apura os casos
Não à toa, o Comando Vermelho é a segunda maior organização criminosa do Brasil – está nos 23 dos 26 estados. Desta forma, além do tráfico de drogas, seus tentáculos exploram outras atividades econômicas na Bahia desde 2020, quando se estabeleceu no território. Em algumas comunidades de Salvador, por exemplo, os provedores de internet são obrigados a pagar uma taxa para operar em áreas do CV, como Cosme de Farias, Complexo do Nordeste de Amaralina e Engenho Velho da Federação. Uma prática semelhante ao que já ocorre em outras comunidades do país, como no Rio de Janeiro. Quem não adere à extorsão pode pagar com a vida.
“Invadiram a sede do rapaz e deram um tiro no pé dele. Ele não quis pagar. Foi avisado de que não poderia continuar atuando no bairro, mas ele insistiu. Não o mataram, não sei o porquê. Ele saiu de lá no outro dia”, conta um comerciante do Engenho Velho da Federação. O episódio relatado aconteceu no segundo semestre do ano passado.
No Rio de Janeiro, onde este fenômeno surgiu, a Secretaria de Segurança Pública mapeou, em janeiro deste ano, empresas que fornecem internet a comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e pela milícia. O documento elaborado pela subsecretaria de inteligência da pasta evidenciou a movimentação milionária de empresas que não têm capital social suficiente para operar, apontando indícios de que só atuam em locais comandados por determinadas facções. Os estudos foram apresentados à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para cobrar da agência reguladora ações para, por exemplo, proibir a operação de empresas criadas por criminosos ou que foram cooptadas por facções.
Na Bahia, a Anatel recebeu, desde 2020, 220 denúncias de prestação clandestina de internet no estado da Bahia, sendo 30 em Salvador. O “CV net”, como está sendo chamada a internet explorada pelo tráfico, já chegou ao Ministério Público da Bahia (MPBA). Em nota, o MPBA disse que “tem conhecimento da situação narrada, mas não comenta sobre o trabalho de investigações envolvendo organizações criminosas, que correm sob sigilo”.
Engenho Velho da Federação
O modo de atuação começa por mensagens. “Enviam áudio de escuta única no WhatsApp, sempre de perfis com mensagens ou fotos religiosos para ninguém desconfiar. Quando abre, a pessoa se depara com a intimidação, dizendo que a partir daquele momento terá que pagar o pedágio”, conta o comerciante. Segundo ele, quem nega sofre retaliações. “Primeiro, cortam a viação. Se insistir, eles vão atrás resolver de uma vez por toda”, conta.
A extorsão acontece principalmente em duas localidades do bairro: Baixa da Égua e Forno. Pelo menos duas empresas pagam o que o CV chama de “pedágio”. “Eles estabelecem o valor pela quantidade de clientes, de 20% a 30% do valor da mensalidade cobrada ao morador. Quem não conseguiu pagar, passou seus clientes para outro provedor. Foi o meu caso”, diz um ex-dono de uma empresa. Ele acabou falindo e hoje trabalha em outro ramo no interior do estado.
Procurado, uma moradora disse que paga R$ 60 pelo serviço de internet na Baixa da Égua. “Sabemos disso, que parte do dinheiro vai para eles (traficantes). É errado, mas fazer o quê? As empresas maiores não funcionam aqui”, conta uma dona de casa.
Em março deste ano, moradores do bairro de Tancredo Neves denunciaram que integrantes do Comando Vermelho controlavam o acesso à internet na região. Segundo relatos, apenas um provedor autorizado pela facção pode operar no local. A situação foi evidenciada após atos de vandalismo ocorridos no dia 19 quando criminosos incendiaram equipamentos de outros provedores, impedindo o funcionamento de redes independentes.
Essa não a primeira vez. Nos primeiros dias de agosto de 2023, moradores e comerciantes denunciaram que estavam sem internet porque parte de uma viação foi arrancada por integrantes do CV. Isso porque os provedores locais não quiseram pagar uma taxa mensal ao então líder do CV na região, conhecido como “Galo”.
No Cabula a situação não foi diferente. “Em 2024, a 23ª CIPM conseguiu debelar na Estrada das Barreiras a atuação de traficantes do Comando Vermelho que cobraram o ‘pedágio’ a provedores e de outros comerciantes do local”, declara o ex-comandante da unidade, o tenente-coronel Luciano Jorge, que atualmente é coordenador do Comando de Policiamento Regional da Capital /Atlântico.
A reportagem conversou com o dono de um provedor que atua numa região do Cabula onde o tráfico é controlado por outra facção, que ainda não aderiu à moda da rival, CV. Na visão dele, este fenômeno foi impulsionado após uma resolução da Anatel. “Ela deixou de exigir autorização dos provedores menores, como forma de democratizar o serviço de internet nas comunidades, onde as empresas maiores não chegam. Isso foi bom pra nós, mas também facilitou a entrada das facções“, declara.
Questionada, a Anatel informou que “é dispensada a autorização para a exploração de serviços de telecomunicações nos casos nos quais as redes de telecomunicações de suporte utilizem exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita, desde que não sejam empregados recursos de numeração em sua prestação“. “No caso dos serviços de telecomunicações de interesse coletivo, a dispensa aplica-se somente àquelas prestadoras com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço”, diz a nota enviada à reportagem.
Fonte: Correio da Bahia